Projetos de Lei sobre dados abertos

O PL 317/2021, oriundo do PL 7.843/2017, foi aprovado no Senado Federal e segue para a sanção ou veto presidencial.

Segue o texto na versão aprovada pelo Senado.

O projeto trata sobre diversos assuntos ligados a governo digital, mas o destaque neste contexto é para a seção sobre abertura de dados (capítulo IV, seção I).

Bom dia pessoal, bom dia @herrmann !

Estou acompanhando a tramitação de alguns PLs e vi que o PL 7804 sofreu alterações ontem, pra ser mais exato :

01/06/2021 |Discutiram a Matéria: Dep. André Figueiredo (PDT-CE), Dep. Rogério Correia (PT-MG) e Dep. Tiago Mitraud (NOVO-MG).
01/06/2021 |Apresentação da Complementação de Voto, CVO 1 CTASP, pelo Dep. Kim Kataguiri
01/06/2021 |Apresentação da Complementação de Voto, CVO 2 CTASP, pelo Dep. Kim Kataguiri
01/06/2021 |Parecer do Dep. Kim Kataguiri (DEM-SP), pela aprovação deste, do Substitutivo adotado pela Comissão de Ciência e Tecnologia e dos Projetos de Lei nºs. 11.118/18, 68/19, 624/2019 e 4.796/19, apensados, com Complementação de Voto.
01/06/2021 |Aprovado o Parecer.

Pergunta : alguém (com mais experiência nesse processo de tramitação parlamentar) sabe me dizer quais os próximos passos e o que falta para de fato “se tornar lei” ?

Obrigado!

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Olá, @apallisser, bom dia! Bom te ver por aqui.

Obrigado pelo aviso. Já atualizei a postagem original.

O PL 7.804, criado em 2014 pelo deputado Pedro Paulo (PMDB/RJ), pretendia expandir a obrigação de ter políticas e portais de dados abertos a todas as esferas e poderes. Em 2017, entretanto, muitas dessas ideias foram aproveitadas no PL 7.843, de autoria do deputado Alessandro Molon (REDE/RJ). Este último acabou tramitando mais rápido e sendo convertido na Lei 14.129/2021, ou Lei do Governo Digital.

Agora que já existe uma lei em vigor sobre o tema, demanda a boa prática legislativa que fossem analisadas as diferenças entre o que já está estabelecido naquela lei e o que propõe este PL 7.804. Do resultado dessa análise, poderia ser proposto um texto substitutivo que modificasse a Lei 14.129/2021 para aplicar as mudanças que ainda fossem consideradas pertinentes após esses 7 anos desde que o texto original foi redigido.

O texto substitutivo do deputado Kim Kataguiri (DEM/SP), no entanto, embora reconheça e faça remissão à Lei 14.129/2021 em alguns dos trechos alterados, caso aprovado, tornar-se-ia uma nova lei independente. O resultado é que as pessoas teriam que saber de antemão que há duas leis de dados abertos e consultar ambas, causando dificuldades e confusão. Como já foi aprovado ontem, essa necessidade ora argumentada pela simplificação legislativa teria que ser apresentada em algum texto substitutivo em uma das comissões pelas quais o PL ainda irá tramitar.

O que me leva à sua pergunta, sobre os próximos passos até o PL se tornar lei. Na página de acompanhamento do PL, temos que a forma de apreciação é “apreciação conclusiva pelas comissões”:

Isso quer dizer que a proposição irá passar por um certo grupo de comissões e, caso aprovada em todas elas, será considerada aprovada pela Câmara, sem necessidade de ser votada em plenário. Quais comissões seriam essas, então?

Aqui podemos ver que o PL já passou e foi aprovado nas comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) e de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP, aprovada ontem). Ainda falta passar pelas comissões de Finanças e Tributação (CFT) e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

Após aprovado pela Câmara, um PL ainda precisa tramitar no Senado, que nesse caso é considerado a casa revisora. Caso seja aprovado sem modificações na casa revisora, o PL vai à sanção ou veto do presidente da República. Caso haja algum veto, as casas legislativas ainda podem apreciar o veto, podendo derrubá-lo.

Acho que esse é o resumo, que acabou não ficando tão curto assim. :slight_smile: Qualquer dúvida é só perguntar.

Acho que algo que já poderíamos fazer, de forma independente, até para cobrar por mudanças no PL se for o caso, é essa análise do que ainda é pertinente ou mudou no texto do PL depois de decorridos 7 anos e depois de aprovada a Lei de Governo Digital.

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Saiu hoje no Diário Oficial da União a promulgação de dois artigos que haviam sido vetados pelo presidente da República na Lei 14.129/2021, a Lei de Governo Digital, mas o Congresso Nacional derrubou os vetos. Os dois artigos são de especial importância para a abertura de dados públicos:

Art. 32. A existência de inconsistências na base de dados não poderá obstar o atendimento da solicitação de abertura.

Este artigo vem enfrentar uma desculpa muito comum para não se abrir dados, que está inclusive registrada no bingo dos dados abertos

Art. 35. No caso de indeferimento de abertura de base de dados, poderá o interessado interpor recurso contra a decisão no prazo de 10 (dez) dias, contado de sua ciência.

Parágrafo único. O recurso será dirigido à autoridade hierarquicamente superior à que exarou a decisão impugnada, que deverá manifestar-se no prazo de 5 (cinco) dias.

Este artigo também é muito importante por dar andamento à possibilidade de recursos ao indeferimento dos pedidos de abertura de dados, assim como há para pedidos de acesso à informação.

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Foi aprovado na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara dos Deputados o substitutivo do deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) para o PL 7.804/2014.

A proposição legislativa segue agora para a Comissão de Finanças e Tributação (CFT), onde aguarda a designação de relator. O trâmite é em caráter conclusivo, o que significa que, após aprovado pelas comissões, o projeto será considerado aprovado pela Câmara dos Deputados, não passando pelo plenário.

Ainda não tive tempo de analisar o conteúdo do substitutivo aprovado na CTASP. Substitutivo é o nome dado a uma emenda que altera substancialmente o conteúdo original do projeto de lei. Caso alguém se disponha a fazer essa análise, sinta-se à vontade.

Aqui está a lista de emendas substitutivas, ou seja, modificações efetuadas no projeto, pela CTASP. São três subemendas (modificações do texto) aprovadas.

A primeira parece acrescentar referências à LGPD e à Lei de Governo Digital, aprovadas após a redação inicial deste PL.

A segunda emenda destrói completamente o art. 4º, que era o principal pilar deste projeto de lei, de diversas maneiras. Primeiro, retira o dever da administração pública de disponibilizar todos os dados não sigilosos ou pessoais. Segundo, retira também da proposta a disposição que dava automaticamente à administração pública a propriedade de dados produzidos por terceiros por ela contratada, relegando isso apenas a uma possível exigência contratual, que a administração pública pode escolher ou não incluir em edital e nos contratos. Ou seja, se quiser usar o dinheiro público para produzir dados de propriedade privada, agora pode, graças aos deputados membros da Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP). Vejam a diferença. Como era antes, no texto aprovado pela comissão anterior:

Art. 4º É dever dos entes sujeitos a esta Lei a disponibilização pública de todos os dados primários produzidos, coletados ou armazenados, da forma mais ampla possível, por meio da rede mundial de computadores (internet), nos termos de regulamentação do Poder Executivo Federal, ressalvados os casos de dados sigilosos ou informações pessoais, nos termos da legislação.

§ 1º O disposto no caput deste artigo não se aplica aos contratados pela Administração Pública, sob qualquer regime, que pela natureza dos serviços prestados ou produtos gerados produzam, coletem ou armazenem dados em nome ou para a Administração.

§ 2º Os sujeitos §1º deste artigo devem disponibilizar ao Poder concedente ou contratante os dados primários produzidos, coletados ou armazenados em função da atividade pública ou de interesse público exercida.

§ 3º A obrigação prevista §2º deste artigo aplica-se inclusive aos contratos vigentes.

§ 4º O titular dos dados produzidos, coletados ou armazenados por prestadores de serviços públicos a qualquer título ou por contratados pela Administração Pública é sempre o ente público concedente ou contratante, não podendo ser aeste vedado ou dificultado o acesso em nenhuma hipótese.

§ 5º Compete ao ente público concedente ou contratante a disponibilização dos dados de sua titularidade produzidos, coletados ou armazenados por prestadores de serviços públicos a qualquer título oudos contratados pela Administração Pública, ressalvados os casos de dados sigilosos, pessoais ou que de qualquer forma possam implicar em danos à concorrência ou à livre iniciativa.

Como ficou agora, no texto aprovado pela CTASP:

Art. 4º. Mediante previsão no edital de licitação e no contrato, a Administração Pública pode exigir que os dados coletados ou gerados por particular em razão da prestação de serviços ou de serviço público à Administração Pública sejam de sua propriedade.

§1º No caso previsto no caput, a Administração Pública fica obrigada a divulgar aberta e publicamente estes dados nos termos dessa Lei.

§2º Quando se tratarem de dados pessoais a transferência e a publicação desses dados deverá ocorrer de forma anonimizada, respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais”.

A terceira subemenda vai no mesmo sentido: faz com que a propriedade dos dados gerados com recursos públicos fique com a empresa contratada. A única coisa que precisam garantir é que a administração pública tenha acesso a esses dados. Isto é, não poderão passá-los adiante, nem disponibilizá-los ao público em geral como dados abertos ou política de transparência.

Como era antes:

Art. 6º Os entes federativos sujeitos a esta Lei deverão se assegurar de que todas as futuras licenças, autorizações, permissões e concessões, assim como as contratações de terceiros, que envolvam a produção, coleta ou armazenamento de dados prevejam expressamente que o titular dos dados é a Administração Pública, bem como defina, em contrato, meios eficazes de acesso a todos os dados de propriedade da Administração, a qualquer tempo, em formato aberto.

Como ficou agora:

“Art. 6º Os entes federativos sujeitos a esta Lei deverão se assegurar de que todas as futuras licenças,autorizações, permissões e concessões, assim como as contratações de terceiros que envolvam a produção,coleta ou armazenamento de dados abertos prevejam expressamente que o ente federativo terá garantido o acesso a tais dados abertos, a qualquer tempo”.

Na minha opinião, as emendas aprovadas na CTASP feriram de morte o objetivo original do projeto de lei, ao restringir o acesso que o público terá aos dados gerados por empresas contratadas e concessionárias, criados com recursos públicos. Também gera prejuízo ao erário ao limitar que a administração pública tenha apenas acesso a esses dados, não titularidade e nem qualquer outros direitos, inclusive o de disponibilizá-los ao público.

O PL 7.408/2014 andou.

Na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) foi designado relator o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), o mesmo que desfigurou o projeto na comissão anterior. Foi aberto prazo para a apresentação de emendas, que se encerrou em 8/9/2021 sem a apresentação de nenhuma emenda. Se quisermos evitar o retrocesso trazido pelas alterações no PL será preciso agir rápido.

Foi apresentado o parecer do relator do PL 7.804/2014 na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara dos Deputados.

Além de manter o mesmo texto problemático aprovado na CTASP, o relatório apresenta diversos equívocos.

O Projeto de Lei nº 7.804, de 2014, salvo melhor juízo, não implica aumento de despesas públicas, haja vista que a disponibilização de dados públicos na internet, a princípio, poderia ser absorvida como parte da atividade rotineira da administração pública.

Até aí tudo bem, embora tenha faltado argumentar que, em diversos entes públicos, esta já é uma atividade que está absorvida há anos como atividade rotineira da administração pública, o que não seria alterado.

O mesmo não se pode dizer, todavia, em relação aos quatro projetos apensados, já que todos eles preveem a instituição de “Laboratórios de Inovação” pelos entes públicos. Presume-se que tal inovação implicaria o aumento de despesa pública, havendo a necessidade, portanto, de se estimar o respectivo ônus financeiro para o setor público.

Aí começam os problemas. O relator parece desconhecer o fato de que neste ano foi aprovada a Lei nº 14.129, ou Lei de Governo Digital, que já instituiu em seu Capítulo IV os laboratórios de inovação. Isso se repete, ainda, em um trecho mais adiante:

ressaltando-se que em ambos os casos é afastada a criação de Laboratórios de Inovação, que tenderiam a onerar o setor púbico (sic).

Assim, o mérito de cada um dos projetos de leis apensos ao PL 7.804/2014 deveria sim ser analisado:

  • nas mudanças que propõe fazer aos laboratórios de inovação; e
  • quanto à técnica legislativa, promover as alterações que pretende na supracitada lei existente, em vez de criar uma nova lei.

Uma rápida olhada no teor dos PLs 68/2019, 624/2019 e 4796/2019 me leva a crer que, se os textos não for iguais, são muito semelhantes entre si, com algumas diferenças em relação à Lei 14.129, que já está em vigor:

  • estabelecem os laboratórios de inovação como obrigatórios (“Os entes públicos deverão instituir Laboratórios de Inovação”), enquanto que a lei que está em vigor os coloca como opcionais (“Art. 44. Os entes públicos poderão instituir laboratórios de inovação”)
  • colocam a seguinte redação, a qual inclusive estava presente no art. 46 do PL aprovado pelas casas legislativas e veio a se tornar a Lei 14.129, mas que foi vetado pelo presidente da república:

    As ideias, ferramentas, softwares, resultados e métodos inovadores desenvolvidos por meio de licenças livres não restritivas.

No mínimo, entendo que a volta desse artigo deveria ser incluída no PL 7.804, visando ao máximo reaproveitamento pela sociedade daquilo que for produzido com recursos públicos, e considerando que não implicaria em aumento de despesa (que é o foco da análise da CFT).

O equívoco maior, no entanto, vem no tema principal do PL, que são os dados abertos.

observa-se que a Subemenda Substitutiva da CTASP é ainda mais conservadora no que tange à oneração administrativa do setor público, visto que exclui até mesmo a obrigação de sítio eletrônico específico na internet para a disponibilização de dados abertos. Conforme salientado no Voto do Relator da matéria na CTASP:

Neste ponto, acreditamos que a instituição de um novo portal eletrônico não é muito produtiva; pode-se perfeitamente utilizar-se dos portais eletrônicos de transparência, já existentes, que poderiam ter uma seção dedicada a dados brutos e abertos. De todo o modo, tal problema deve ser resolvido quando da regulamentação da lei.

Este fato, que me havia passado despercebido quando da análise do Substitutivo da CTASP, na postagem acima, é de suma importância. Hoje, é um problema conhecido que alguns dados abertos importantes são difíceis de se encontrar, pois ficam misturados em meio aos labirínticos portais institucionais. Há até mesmo casos emblemáticos, como o do quadro societário de empresas e CNPJ, da Receita Federal, que se recusa a catalogar no portal dados.gov.br, deixando-o apenas em meio às suas milhares de páginas institucionais.

A obrigação de se ter um portal de dados abertos, opcionalmente sendo um portal único de transparência e dados abertos, viria em muito contribuir para facilitar que o cidadão encontrasse esses dados com maior facilidade. Tratar a questão na regulamentação da lei, como ora proposto, é ignorar o problema nos níveis federados subnacionais, onde é muito provável que o poder executivo não tenha conhecimento, experiência ou vontade política para resolver este problema específico – mesmo que faça uma regulamentação própria da lei, é quase certo que a questão seria ignorada, como já é hoje.

No mais, o PL segue com os mesmos problemas já conhecidos do Substitutivo da CTASP. Sendo o mais grave deles a possibilidade de privatização dos dados públicos, produzidos com recursos públicos, no decorrer de execução de políticas públicas, mas que nunca poderão ser abertos uma vez que passarão a ser propriedade privada das empresas contratadas. Na pior das hipóteses, privando até mesmo a própria administração pública de a eles ter acesso.

Ontem foi apresentado um novo informativo, mas que não muda nada em relação ao relatório já apresentado.

Bom apanhado, Augusto! Estamos acompanhando e pautamos as outras organizações para produzir uma nota para incidência no processo. Uma atualização da tramitação, vai ter sessão deliberativa da CFT e essa proposição está na pauta:

A Comissão de Finanças e Tributação realiza reunião deliberativa na quarta-feira (10/11) às 9h15 para discussão e votação de proposições.

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Obrigado pelo aviso, @fecampa!

Já faz mais de um mês que estou preparando um texto mais didático sobre o que está acontecendo com esse PL, mas não consigo tempo para terminar.

O infográfico abaixo, de autoria minha, eu estava guardando para disponibilizar junto com o texto. Mas, dada a urgência da mobilização contra a matéria, compartilho desde já para ver se ajuda em algo.

infografico-licenciamento-de-dados

(clique para ver ampliado)

O que um projeto de lei de dados abertos deveria fazer é fomentar situações em que mais dados caiam na folhinha verde, a do domínio público (obs.: nos EUA é lei que tudo produzido pela administração pública já fica automática e imediatamente em domínio público). Os efeitos do PL como está é jogar mais dados no triângulo laranja, o dos dados fechados e de propriedade privada.

Também me disponho a ajudar na redação da nota e também assiná-la, se for o caso de incluir assinaturas de pessoas físicas.

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A reunião deliberativa foi realizada ontem (10/11/2021), mas o PL 7.804/2014 ficou na lista de “propostas não analisadas”. Considerando os problemas no texto atual, considero isso como positivo, para que tenhamos mais tempo de articulação para esses ajustes.

Atualizei na lista o VETO TOTAL feito pelo Presidente da República ao Projeto de Lei n.º 1944/2015 (PLC n.º 61/2018, no Senado), que pretendia obrigar os conselhos profissionais a dar transparência a consulta pública de informações cadastrais dos profissionais registrados e possibilitaria ao cidadão verificar se de fato o registro no órgão profissional existe e está válido.

A razão alegada nem foi a de informações pessoais em razão da Lei Geral de Proteção de Dados, como está em voga no momento, mas uma questão de iniciativa legislativa que supostamente seria da Presidência da República, e não do Congresso Nacional.

Esse veto total ocorreu em 2020 e me surpreende o fato de ter “passado batido” nos círculos de transparência pública e dados abertos quando ele ocorreu.

De fato, não estava sabendo deste veto, @herrmann ! Aliás, mesmo a justificativa de vício de iniciativa é questionável pois já há jurisprudência do STF que admite iniciativa do legislativo quanto à leis referentes à criação de deveres de transparência.

Bem observado, @Bruno, eu não sabia dessa jurisprudência.

Sobre esse PL, é irônico que ele pretendia dar transparência a quem são os profissionais dos conselhos e foi vetado pelo governo. Ao mesmo, tempo, o mesmo governo utiliza quando lhe convém esses dados aos quais não quer dar transparência.

Recentemente fui apresentar atestado de saúde, e pude constatar que no aplicativo / site sougov basta você digitar o número do CRM ou CRO que o nome do(a) profissional de saúde é automaticamente puxado de um banco de dados e apresentado na tela.

Segue a jurisprudência:

EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 11.521/2000 do Estado do Rio Grande do Sul. Obrigação do Governo de divulgar na imprensa oficial e na internet dados relativos a contratos de obras públicas. Ausência de vício formal e material. Princípio da publicidade e da transparência. Fiscalização. Constitucionalidade. 1. O art. 22, inciso XXVII, da Constituição Federal atribuiu à União a competência para editar normas gerais de licitações e contratos. A legislação questionada não traz regramento geral de contratos administrativos, mas simplesmente determina a publicação de dados básicos dos contratos de obras públicas realizadas em rodovias, portos e aeroportos. Sua incidência é pontual e restrita a contratos específicos da administração pública estadual, carecendo, nesse ponto, de teor de generalidade suficiente para caracterizá-la como “norma geral”. 2. Lei que obriga o Poder Executivo a divulgar na imprensa oficial e na internet dados relativos a contratos de obras públicas não depende de iniciativa do chefe do Poder Executivo. A lei em questão não cria, extingue ou modifica órgão administrativo, tampouco confere nova atribuição a órgão da administração pública. O fato de a regra estar dirigida ao Poder Executivo, por si só, não implica que ela deva ser de iniciativa privativa do Governador do Estado. Não incide, no caso, a vedação constitucional (CF, art. 61, § 1º, II, e). 3. A legislação estadual inspira-se no princípio da publicidade, na sua vertente mais específica, a da transparência dos atos do Poder Público. Enquadra-se, portanto, nesse contexto de aprimoramento da necessária transparência das atividades administrativas, reafirmando e cumprindo o princípio constitucional da publicidade da administração pública (art. 37, caput, CF/88). 4. É legítimo que o Poder Legislativo, no exercício do controle externo da administração pública, o qual lhe foi outorgado expressamente pelo poder constituinte, implemente medidas de aprimoramento da sua fiscalização, desde que respeitadas as demais balizas da Carta Constitucional, fato que ora se verifica. 5. Não ocorrência de violação aos ditames do art. 167, I e II, da Carta Magna, pois o custo gerado para o cumprimento da norma seria irrisório, sendo todo o aparato administrativo necessário ao cumprimento da determinação legal preexistente. 6. Ação julgada improcedente.

(ADI 2444, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 06/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 30-01-2015 PUBLIC 02-02-2015)

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7631030

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Apesar do veto do PL 1.944/2015, alguns conselhos profissionais têm regulamentado a consulta pública dos registros profissionais, como o Conselho Federal de Medicina, que publicou hoje no D.O.U.:

https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-cfm-n-2.309-de-22-de-marco-de-2022-388691371

Atualizadas as situações dos PLs 7.804/2014, na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) e 7.938/2017, na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP), ambas da Câmara dos Deputados. Os deputados relatores dos projetos não integram mais as respectivas comissões. Com isso, os PLs aguardam nova designação de relator nas comissões.

Acrescentado o PL 2.224/2021, de autoria do deputado Felipe Rigoni (PSB-ES).

No dia 12/7/2022 o projeto foi colocado em pauta de votação na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP), ocasião em que sua aprovação foi defendida pelo relator Dep. Tiago Mitraud (NOVO-MG), com emenda, segundo seu parecer. Também discursaram os deputados Rogério Correia (PT-MG), Erika Kokay (PT-DF) e Paulo Ramos (PDT-RJ), que se manifestaram contra a matéria, no que a mesma foi retirada de pauta. Os discursos podem ser vistos no YouTube.

O site Desinformante publicou matéria sobre o PL, com declarações do @Bruno Morassutti e da @fecampa:

Compartilho muitas das mesmas preocupações. Além da não definição do que se entenderia como “dados em tempo real”, eu vejo uma preocupação a mais no texto que está para ser aprovado na comissão, que é tornar obrigatório aos órgãos e entidades disponibilizar dados dessa forma específica, conforme o seguinte parágrafo:

§3º Os órgãos e entidades públicas deverão fomentar a oferta de serviços de interoperabilidade de dados em tempo real para promoção da transparência ativa, com acesso universal e preferencialmente gratuito, respeitadas as regras de precificação
previstas no art. 41-A

O estabelecimento de uma nova obrigação para o órgão público de fornecimento de dados “em tempo real”, seja o que isso signifique, problemático uma vez que em grande parte das situações ela não será possível de ser cumprida. Muitas vezes o dado não está disponível “em tempo real” para o uso do próprio órgão, sendo muito comum a atualização ser diária, mensal ou com periodicidade até maior. Além disso, tal infraestrutura é algo muito mais complexo de se fazer que simplesmente disponibilizar o download de dados abertos e demandaria investimentos iniciais para o seu desenvolvimento. Ainda que se crie uma nova e futura fonte de receita com a possível cobrança de ressarcimento de custos, isso não substitui a necessidade de investimento inicial com uso de recursos orçamentários, como propõe o deputado.

Vale lembrar também que a ausência de custos de utilização é o 10º dos princípios dos dados abertos governamentais:

A imposição de taxas de acesso distorce o real grupo de quem está disposto (ou apto) a acessar informações. Também pode impedir usos transformadores dos dados que, por sua vez, poderiam gerar crescimento na economia e nas receitas com impostos.

Os efeitos do repasse aos utilizadores dos custos de produção dos dados já eram discutidos por Rufus Pollock em 2006, que concluía no seu artigo The Value of the Public Domain, em referência a outros estudos anteriores:

Together, this and other work clearly demonstrate there are large losses from restricting access to public sector information both in terms of transactional costs and the direct impact because of higher prices. (…) In addition, free access and reuse of basic PSI data frees up downstream firms to innovate in both products and services, and thereby to
create new markets and value for society.

O pior seria seguir adiante com esse projeto de lei sem antes fazer uma ampla discussão da proposta com a sociedade. Há outros modelos possíveis menos onerosos para a administração, do ponto de vista de custos de infraestrutura, que precisam ser discutidos e experimentados. Como, por exemplo, o uso de ferramentas peer-to-peer para a distribuição de dados, como por exemplo o Hypercore e o IPFS.

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A Open Knowledge Brasil publicou uma análise detalhada do PL 2.224/2021, da qual recomendo a leitura para quem quer estar a par desta polêmica proposta.

https://ok.org.br/noticia/por-que-cobrar-por-dados-publicos-e-uma-ma-ideia/