Consulta púlica: anteprojeto de lei do Marco Legal do Transporte Público Coletivo

A Secretaria Nacional de Mobilidade e Desenvolvimento Regional e Urbano, do Ministério do Desenvolvimento Regional, abriu uma consulta pública sobre a minuta de projeto de lei do Marco Legal do Transporte Público Coletivo.

É sabido que os dados de mobilidade urbana são alguns dos mais importantes e que mais afetam a vida do cidadão. Tanto é que dados sobre os horários de transporte chegaram a ser objeto de avaliação tanto no Open Data Index, quanto no Open Data Barometer. Os sites e aplicativos que mostram a previsão de chegada do ônibus ou do trem geralmente são uns dos primeiros exemplos que se mostra quando se quer explicar às pessoas para que servem os dados abertos.

É importante, portanto, verificar e avaliar o que há nessa proposta de legislação a respeito dos dados abertos de mobilidade urbana.

Art. 4º O sistema de transporte público coletivo deverá ser orientado pelas seguintes diretrizes:

(…)

XII. Gestão pública dos dados, adoção de políticas de dados abertos e clareza e simplicidade na comunicação com a população;

É positivo e importante já estabelecer como diretriz do sistema de transporte público coletivo a adoção de política de dados abertos, bem como que a gestão sobre os dados será pública (e não deixar isso a cargo das empresas privadas que operam o sistema, como acontece em alguns lugares).

Mais a seguir, isso também aparece como responsabilidade do titular (o órgão público estadual, municipal ou do Distrito Federal responsável pela mobilidade):

Art. 9º O titular dos serviços é responsável pelo planejamento da rede de transporte público coletivo, englobando:

(…)

IX. A elaboração de planos, protocolos e padrões para a gestão pública e aberta de dados;

Também é importante a parte que trata da regulação dos fluxos de compartilhamentos de dados entre as empresas prestadoras de serviço e o ente público:

Art. 13. A regulação pelo ente titular, observadas as diretrizes estabelecidas nesta Lei, abrangerá as dimensões técnica, econômica, social e ambiental da prestação dos serviços, que abordarão, no mínimo, os seguintes assuntos:

(…)

XXI. Periodicidade, formatos e fluxos de compartilhamento de dados operacionais e informações entre titular e prestadores do serviço.

A parte mais detalhada é a que trata de quais dados serão disponibilizados como dados abertos para atender à Lei de Acesso à Informação:

Art. 15. O titular do serviço de transporte público coletivo deverá divulgar, diretamente ou através de sua entidade reguladora, de forma sistemática e periódica, nos termos da Lei n° 12.527, de 18 de novembro de 2011, informações relativas:

I. Aos custos de realização dos serviços;

II. Aos dados de gratuidades e descontos tarifários, por tipo, e respectivos impactos no cálculo da tarifa pública

III. À fixação e aos reajustes das tarifas cobradas dos passageiros, bem como a análise de impacto socioeconômico da política tarifária;

Os pontos acima são essenciais para a transparência da política tarifária.

IV. Aos relatórios, estudos, decisões e instrumentos equivalentes que se refiram à regulação ou à fiscalização dos serviços de transporte público coletivo, bem como aos direitos e deveres dos usuários e operadores;

V. Aos dados de oferta do serviço, incluindo tamanho da frota, número e itinerário de linhas, tabelas horárias e quilometragem percorrida;

Aqui senti falta dos dados de posição em tempo real dos veículos. Talvez não seja viável estabelecer essa obrigação em nível nacional, para todo o país, sendo que há locais em que a realidade local não torna viável esse tipo de monitoramento por GPS e rede de internet móvel para atualizar em tempo real as posições do veículo.

Mas a lei poderia pelo menos citar essa possibilidade e dizer que ela deve ser implementada quando as condições de infraestrutura local assim o permitirem.

VI. Aos dados de demanda pelo serviço, incluindo o número de passageiros transportados por tipo;

Não entendi o que pretendem dizer aqui com a expressão “por tipo”. Mas, no meu entender, para compreender a demanda, essas estatísticas deveriam ser o mais detalhadas possível, incluindo o número de passageiros transportados em cada viagem de cada veículo, incluindo os horários de saída e chegada do trajeto.

VII. Aos indicadores de eficiência, produtividade e qualidade dos serviços prestados;

VIII. À arrecadação do serviço, incluindo receitas tarifárias e extra-tarifárias por tipo de origem;

§1º A publicidade a que se refere o caput deve ser realizada de forma que os dados e informações estejam diretamente disponíveis aos cidadãos, em sítio mantido na rede mundial de computadores, independente de solicitações formais específicas que devem ser atendidas conforme a Lei n° 12.527, de 18 de novembro de 2011.

Aqui poderiam acrescentar que:

  • os dados devessem estar disponíveis em formatos abertos e legíveis por máquina (citando o art. 8º, §3º, inciso III da Lei de Acesso à Informação e o art. 29, §1º, inciso II da Lei de Governo Digital), de forma a evitar a prática comum que alguns órgãos públicos têm de disponibilizar tabelas em formato PDF, dificultando assim a sua reutilização;
  • os dados devessem estar catalogados em portal de dados abertos do ente público quando existente, de modo a evitar a prática comum de os dados serem disponibilizados apenas em local de difícil navegação dentro de um portal de informações institucionais em geral;
  • a referência às solicitações de acesso a dados (transparência passiva) deveriam citar não somente a Lei de Acesso à Informação, como também o art. 30 da Lei de Governo Digital.

§2º A publicidade prevista caput, quando realizada pelo poder público titular dos serviços, dispensa a realização pelos operadores.

Em qualquer caso, ainda que realizada pelos operadores (empresas de transporte coletivo), e ainda que os dados fossem disponibilizados em tempo real (por exemplo, posições dos veículos), cabe ressaltar que a disponibilização deveria ser gratuita. É algo que está implícito quando se citam as Leis de Acesso à Informação e de Governo Digital, mas que pode ser importante ressaltar em um momento que um outro projeto de lei discute a cobrança pelo acesso a dados públicos, especialmente considerando que o texto daquele projeto cita nominalmente os dados em tempo real.

§3º O disposto no inciso IV deve resguardar os documentos considerados sigilosos em razão do interesse público, mediante prévia e motivada decisão, e os de sigilo comercial conforme legislação específica.

Aqui poderia ser feita uma ressalva de que, caso a informação sigilosa estivesse presente em apenas parte do documento, as partes não sigilosas deveriam ser disponibilizadas ao público, censurando-se apenas a parte referente ao sigilo. Isso está previsto no art. 7º, §1º da Lei de Acesso à Informação:

§ 2º Quando não for autorizado acesso integral à informação por ser ela parcialmente sigilosa, é assegurado o acesso à parte não sigilosa por meio de certidão, extrato ou cópia com ocultação da parte sob sigilo.

A consulta pública está disponível na Plataforma Mais Brasil, no link abaixo, e recebe contribuições até o dia 26/1/2023. Participe!