A Infraestrutura Nacional de Dados Abertos foi criada pela Instrução Normativa SLTI/MP nº 4/2012, como
um conjunto de padrões, tecnologias, procedimentos e mecanismos de controle necessários para atender às condições de disseminação e compartilhamento de dados e informações públicas no modelo de Dados Abertos (ver wiki).
Ao longo dos seus 7 anos de existência, a INDA contou com a adesão voluntária de uma série de instituições, inclusive de duas unidades da federação, que têm seus portais de dados abertos integrados ao dados.gov.br: Alagoas e Distrito Federal.
Em 2019, ocorreram duas mudanças importantes para a INDA: a gestão da política de dados abertos passou do Ministério da Economia para a Controladoria-Geral da União, por meio do Decreto n.º 9.903, e o fim do seu Comitê Gestor.
O Comitê Gestor, criado pela IN SLTI/MP n.º 4/2012, tinha atribuições voltadas à condução da política de dados abertos no poder executivo federal. Contava com a participação de dez órgãos do poder executivo federal e mais um representante da sociedade civil e um do setor acadêmico. No período em que esteve ativo, expediu três resoluções e se reuniu 28 vezes. A última reunião foi em novembro de 2018.
Foi então que o Decreto n.º 9.759/2019 estabeleceu em seu art. 5º o prazo de 28 de junho de 2019 para a extinção de diversos colegiados no governo federal, incluindo nisso o Comitê Gestor da INDA.
Quase um ano após a extinção do Comitê, a CGU está propondo uma consulta pública sobre uma portaria para recriar a INDA e o seu Comitê Gestor. Além da diferença no instrumento usado (portaria em vez de instrução normativa), o texto da minuta de portaria é bastante semelhante ao da IN 4/2012, mas tem algumas diferenças, as quais vamos salientar.
Objetivos
O inciso I da IN tratava da gestão da política de dados abertos. É fruto de uma época em que não havia decreto da política de dados abertos, então é natural que pós Decreto n.º 8.777/2016 fossem incluídas referências a ele.
IN:
I – definir, estruturar e coordenar a política de dados abertos, bem como estabelecer o seu modelo de funcionamento;
Minuta de Portaria:
I – coordenar as ações relativas ao funcionamento da Política de Dados Abertos do Poder Executivo Federal, conforme definido no Decreto nº 8.777, de 11 de maio de 2016, e no Decreto nº 9.903, de 08 de julho de 2019;
A parte final do inciso V também foi suprimida, provavelmente levando em consideração que após o Decreto n.º 8.777/2016 a publicação de dados abertos se tornou obrigatória.
IN:
V – apoiar, capacitar e fornecer suporte para a publicação de dados abertos aos órgãos e entidades do Poder Executivo federal ou que aderirem à INDA que não possuem prática, cultura e atribuições finalísticas de disseminação de dados;
Minuta de Portaria:
V – apoiar, capacitar e fornecer suporte para a publicação de dados abertos aos órgãos e entidades do Poder Executivo federal ou que aderirem à INDA;
Definições
Foi alterada a definição de dado público, passando-se a usar uma outra definição para a expressão “dado acessível ao público”.
IN:
III – dado público: qualquer dado gerado ou sob a guarda governamental que não tenha o seu acesso restrito por legislação específica;
Minuta de Portaria:
III - dado acessível ao público - qualquer dado gerado ou acumulado pelo Governo que não esteja sob sigilo ou sob restrição de acesso nos termos da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011;
Cabe observar aqui que foi substituída a referência à “legislação específica” por uma referência à Lei de Acesso à Informação. Isso significa que outras restrições legais existentes ao acesso aos dados, como por exemplo a Lei nº 5.534, de 14 de novembro de 1968, ou Lei do Sigilo Estatístico, que se aplica a dados coletados em pesquisas do IBGE, ou ainda, a Lei n.º 6.538/1978, ou Lei dos Correios, que coloca o CEP como dado exclusivo refém do modelo de negócios dos Correios, não são levadas em consideração nesta definição.
Também foi modificada a definição do que são dados abertos.
IN:
VI – dados abertos: dados públicos representados em meio digital, estruturados em formato aberto, processáveis por máquina, referenciados na rede mundial de computadores e disponibilizados sob licença aberta que permita sua livre utilização, consumo ou cruzamento;
Minuta de Portaria:
IV - dados abertos - dados acessíveis ao público, representados em meio digital, estruturados em formato aberto, processáveis por máquina, referenciados na internet e disponibilizados sob licença aberta que permita sua livre utilização, consumo ou cruzamento, limitando-se a creditar a autoria ou a fonte;
Além da alteração na referência a “dados públicos” / “dados acessíveis ao público”, percebe-se o acréscimo da expressão “limitando-se a creditar a autoria ou a fonte”. Essa expressão parece colocar que a exigência de se creditar a autoria ou a fonte está presente em todos os dados abertos, o que não é necessariamente verdadeiro em todas as situações. Isso ocorre, sim, nas licenças que apresentam essa exigência, mas não em dados que estão já em domínio público, isto é, que não estão sujeitos aos controles estabelecidos na Lei de Direito Autoral. Entendo que a observação sobre a possibilidade de se exigir o crédito de autoria e fonte já estariam contidas na referência à definição de “licença aberta”, não sendo necessário reiterá-la aqui.
A minuta de portaria também apresenta algumas novas definições, que me pareceram bastante sensatas e coerentes com o seu uso comum:
V - conjunto de dados: série de dados estruturados, vinculados entre si e agrupados dentro de uma mesma unidade temática e física, de forma que possam ser processados apropriadamente para obter informação;
VI - catálogo de dados abertos: inventário dos conjuntos de dados abertos disponibilizados à população pelos órgãos e entidades públicas em portal de internet;
(…)
X - Plano de Dados Abertos - documento orientador para as ações de implementação e promoção de abertura de dados de cada órgão ou entidade da administração pública federal, obedecidos os padrões mínimos estabelecidos no Decreto nº 8.777, de 11 de maio de 2016, e na Resolução nº 3 do Comitê Gestor da INDA, de 13 de outubro de 2017, de forma a facilitar o entendimento e a reutilização das informações.
A referência à Resolução n.º 3 do Comitê Gestor da INDA, em especial, corrobora a interpretação de que as resoluções continuariam válidas após a dissolução do Comitê.
Composição da INDA
Li a alteração nos participantes facultativos da INDA como uma espécie de simplificação da adesão, dispensando a assinatura de um termo de adesão.
IN:
II – facultativamente, mediante a assinatura do termo de adesão constante do Anexo pela autoridade competente, os demais órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, das esferas Federal, Estadual, Distrital e Municipal.
Minuta de Portaria:
II – facultativamente, o órgão de qualquer esfera pública que solicitar à Controladoria-Geral da União - CGU a criação de uma organização dentro do Portal Brasileiro de Dados Abertos (dados.gov.br), para catalogar seus dados abertos, automaticamente adere aos termos desta Portaria.
Por outro lado, a falta de menção explícita aos demais poderes da República pode significar uma menor ênfase em ter a sua adesão como um objetivo implícito da INDA. Além disso, a mera solicitação de criação de uma organização dentro do portal não vem acompanhada de um compromisso com a continuidade do fornecimento dos dados e sua atualização. Não que a assinatura de um termo de adesão explícito garantisse isso, mas é um passo nesse sentido.
Foi alterada também a suplência no comitê. Antes poderia haver dois suplentes. Agora, apenas um. Na prática, fica mais difícil obter quórum e participação de todos os representados, já que, na experiência anterior do Comitê, é comum acontecer de nem o titular nem o primeiro suplente poderem comparecer por terem ido a outras agendas. É especialmente difícil encontrar uma data e horário que conciliem as agendas de tantas pessoas diferentes.
IN:
§ 1º Serão convidados a integrar o Comitê Gestor da INDA um representante titular e dois suplentes de cada órgão e entidade a seguir indicados:
Minuta de Portaria:
§ 1º Serão convidados a integrar o Comitê Gestor da INDA um representante titular e um suplente de cada órgão e entidade a seguir indicados:
As mudanças nos órgãos, além de refletir as mudanças na estrutura do governo ocorridas no período, também trazem a inclusão do Ministério do Meio Ambiente e do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – IBCT.
A participação da sociedade civil foi aumentada em número de membros do Comitê. Antes eram duas, sendo uma delas do setor acadêmico. Agora, são cinco. Essa é uma antiga reivindicação das entidades civis que participaram do Comitê.
IN:
§ 2º Serão também convidados a integrar o Comitê Gestor um representante das seguintes instâncias, com mandato de dois anos, permitida uma única recondução e vedada a indicação de suplente:
I – da sociedade civil, a ser indicado pela Secretaria Nacional de Articulação Social da Secretaria Geral da Presidência da República; e
II – do setor acadêmico com notório saber no segmento de Tecnologia da Informação, a ser indicado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Minuta de Portaria:
§ 2º A sociedade civil organizada participará do Comitê Gestor e será representada por 5 membros, com as seguintes especificações:
I - duas organizações com experiência comprovada em projetos de fomento em transparência ou dados abertos;
II - duas organizações de pesquisa ou um grupo de pesquisa acadêmico dedicado a projetos relacionados com os temas definidos no inciso anterior;
III - uma entidade nacional representativa do setor produtivo, comercial ou de serviços que desenvolva projetos na área de transparência e dados abertos.
Outra diferença é que antes os membros da sociedade civil e setor acadêmico tinham a sua participação sob a indicação da Secretaria Geral da Presidência da República e pelo MCTIC, respectivamente. Agora, todos serão indicados pela própria CGU.
§ 5º As organizações de que trata o § 2º deste artigo serão convidadas a participar da INDA pelo Comitê Gestor e deverão indicar seus respectivos representantes, titular e suplente, a serem nomeados pelo Secretário (a) de Transparência e Prevenção da Corrupção.
Por outro lado, alguns requisitos a mais que as entidades têm que cumprir qualificam quais delas podem ter representação nesses assentos.
Competências do Comitê
Para a aprovação do regimento interno, não é mais requerida maioria absoluta, mas apenas a sua maioria.
IN:
I – aprovar o seu regimento interno e eventuais alterações, por da maioria absoluta dos seus membros;
Minuta de Portaria:
I – aprovar o seu regimento interno e eventuais alterações por meio da maioria dos seus membros;
Foi retirada a competência para deliberar sobre o modelo de licença de dados abertos que existia na IN.
IN:
IV – definir o modelo de licença para os dados abertos;
Isso significa que deixaria de valer a Resolução n.º 2, já que o Comitê Gestor não teria mais competência para isso? Fiquei na dúvida.
Sobre os Planos de Ação da INDA foi feita uma adaptação, já que o texto da IN tratava da sua implantação inicial. O texto agora estabelece a periodicidade bianual para o plano (obs.: bianual não é duas vezes ao ano? Se queriam a cada dois anos, seria mais claro dizer que é bienal. Nesse caso, segundo o dicionário, não haveria ambiguidade).
IN:
VII – elaborar, monitorar e aprovar por maioria absoluta o Plano de Ação para a implantação da INDA, contendo, entre outros, os seguintes aspectos:
Minuta de Portaria:
VI – elaborar, monitorar e aprovar por maioria dos membros os Planos de Ação bianuais da INDA, contendo compromissos que objetivem alcançar os objetivos institucionais da INDA e contribuir para o incremento dos dados abertos governamentais;
Falando em periodicidade, o prazo das reuniões ordinárias passou de bimestral para a cada quatro meses. Foi mantida a possibilidade de se convocarem reuniões extraordinárias, mas a expectativa é que as reuniões do novo Comitê Gestor se tornem menos frequentes que no passado.
IN:
§ 1º O Comitê Gestor se reunirá ordinariamente a cada bimestre e, extraordinariamente, sempre que convocado pelo seu presidente.
Minuta de Portaria:
§ 1º O Comitê Gestor se reunirá ordinariamente a cada quatro meses e, extraordinariamente, sempre que convocado pelo seu presidente.
Estranhamente, foi mantida a obrigação de se publicar o regimento interno do Comitê Gestor no Diário Oficial. Então o regimento interno do antigo comitê não estaria valendo? O texto em ambos os documentos está exatamente igual. Inclusive foi mantida a expressão “Instrução Normativa”. Aparentemente, esqueceram de fazer um “localizar, substituir” no texto para trocar por Portaria.
§ 2 º O regimento interno do Comitê Gestor detalhará a sua organização e funcionamento e deverá ser publicado Diário Oficial da União no prazo de noventa dias a contar da publicação desta Instrução Normativa.
Uma novidade no texto são algumas atribuições do presidente do Comitê.
Art. 6º O Comitê-Gestor da INDA, por meio de seu Presidente, poderá:
I - convidar para participar de suas reuniões, sem direito a voto, representantes de órgãos ou entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e da sociedade civil, além de especialistas, peritos e outros profissionais, sempre que constarem da pauta assuntos que justifiquem o convite; e
A participação por convidado, sem direito a voto, nas reuniões do Comitê já estava prevista no atual regimento interno (art. 13). Entretanto, antes qualquer membro titular ou suplente poderia fazer o convite. Agora a proposta é que o convite seja possível apenas ao presidente do Comitê (CGU).
O presidente do comitê também recebeu atribuições para instituir grupos de trabalho temáticos, o que aparentemente ficou conflitante com a mesma competência do Comitê Gestor como um todo, que o faria por deliberação dos seus membros (art. 5º, inciso IV):
II - instituir comitês e grupos de trabalho temáticos para a realização de estudos e discussões de temas afetos às políticas e às estratégias a que se refere esta Portaria.
Já o § 1º (as regras de técnica legislativa estabelecidas pela Lei Complementar n.º 95 e o Decreto n.º 9.191/2017 estabelecem que deveria ser parágrafo único, já que não tem um § 2º) parece visar atender os critérios do Decreto n.º 9.579/2019 para a criação de grupos temporários, embora não estabeleça o prazo máximo de 1 ano exigido pelo decreto:
§ 1º O ato de criação de comitê ou grupo de trabalho temático especificará os objetivos, a composição e o prazo para a conclusão dos trabalhos.
Essa foi a minha análise das diferenças, mas convido vocês a lerem o texto por si mesmos e não apenas compararem as diferenças com o texto da antiga IN, como também fazerem sugestões para a melhoria da INDA e seu Comitê Gestor.
A consulta pública está disponível até o dia 11/6/2020 e os comentários relativos ao texto serão recebidos pelo e-mail dadosabertos@cgu.gov.br.