💳 O sigilo dos cartões corporativos do governo federal

Saiu hoje no Diário Oficial da União o Acórdão n.º 1.223/2022 do Plenário do Tribunal de Contas da União, que nega conhecimento à representação formulada pelo Senador Fabiano Contarato para que o TCU apurasse o aumento de gastos com o cartão de pagamento do governo federal nos últimos anos. Havia sido solicitada, ainda, medida cautelar que levantasse o sigilo de gastos com o cartão, o que também foi negado.

Entre as razões para o não conhecimento da representação, alegou o ministro relator que os gastos com o cartão corporativo já haviam sido objeto de auditoria do mesmo tribunal, apreciado no Acórdão n.º 1.179/2022-Plenário, e que o aumento de despesas estaria dentro dos parâmetros para a inflação no período.

Também foi mencionado o §2º do art. 24 da Lei de Acesso à Informação, que lê:

§ 2º As informações que puderem colocar em risco a segurança do Presidente e Vice-Presidente da República e respectivos cônjuges e filhos(as) serão classificadas como reservadas e ficarão sob sigilo até o término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de reeleição.

De fato, segundo esta matéria da Veja, a quase totalidade dos gastos com cartão da Presidência da República, em todos os mandatos do passado recente, têm sido mantidos sob sigilo:

Os percentuais dos gastos em sigilo da Presidência ano a ano

  • 2015: 98,4% (11,8 milhões de reais)
  • 2016: 98,7% (11,5 milhões de reais)
  • 2017: 98% (8,3 milhões de reais)
  • 2018: 97,9% (8,8 milhões de reais)
  • 2019: 98,2% (11,7 milhões de reais)
  • 2020: 98,6% (16 milhões de reais)
  • 2021: 99,2% (15,1 milhões de reais)

O que nos leva à seguinte reflexão: se as despesas com o cartão do governo federal são colocadas em sigilo tendo como fundamento esse dispositivo da LAI, então deveria significar que o sigilo imposto sobre os gastos de mandatos anteriores já deveriam ter expirado, certo?

Para verificar essa hipótese, consultemos o Portal da Transparência:

Segundo o Portal da Transparência, os gastos da Presidência da República com cartão corporativo colocados em sigilo no exercício de 2017 perfazem um total de mais de 10 milhões de reais, valor superior ao da matéria da Veja. Não sei se é aplicado pelo Portal da Transparência algum índice de correção monetária, mas suponho que não, que sejam os valores da época.

Mas o que se pode perceber é que não, terminado o prazo disposto no §2º do art. 24 da Lei de Acesso à Informação, que é o término do mandato, não, o sigilo na prática não tem sido suspenso e os gastos não têm sido colocados em transparência.

Considerando teu exemplo, tudo indica que não há rotinas automatizadas para disponibilização desses dados após o encerramento dos mandatos. Esse problema, aliás, parece existir em outros conjuntos de informações.

Foi publicada hoje, no Diário Oficial da União, seção 1, pág. 464, a Ata n.º 45, de 30 de novembro de 2022, do Tribunal de Contas da União. Nela consta o Acórdão n.º 2625/2022, sobre

processo de auditoria que avaliou a regularidade dos gastos realizados com Cartões de Pagamento do Governo Federal (CPGF);

Nele, constam algumas decisões acerca do detalhamento dos gastos com o cartão corporativo, que devem ser retirados de sigilo após o término de mandato, apenas com exceção dos gastos que possam comprometer a segurança dos novos Presidente e Vice-Presidente da República eleitos, desde que devidamente justificados.

9.4. dar ciência à Secretaria Especial de Administração da Presidência da República (SA/PR) de que:

9.4.1. a disponibilização em sítio eletrônico das informações desclassificadas ao final dos mandatos presidenciais, sem a respectiva correspondência dos lançamentos efetuados nos extratos de pagamento do CPGF, bem como sem o correspondente detalhamento completo das despesas antes sigilosas na forma daquelas que são públicas nos extratos de pagamento do CPGF, não atende ao disposto no art. 37, e § 3º e 216, § 2º, da Constituição Federal, ao que dispõe o art. 24, § 2º, da Lei 12.527/2011, tampouco atende à determinação contida no item 9.1.1 do Acórdão 1154/2017-TCU-Plenário (relatoria Ministro Walton Alencar Rodrigues), com redação do Acórdão 538/2021-TCU-Plenário (relatoria do Ministro Augusto Nardes), nem à jurisprudência desta Corte de Contas sobre transparência ativa;

9.4.2. não foi dada publicidade adequada às informações relativas às despesas classificadas realizadas com CPGF, pois a ausência de correlação entre os itens das tabelas de despesas classificadas com as despesas sigilosas do extrato do CPGF, bem como a ausência de esclarecimento sobre quais as naturezas de despesas foram classificadas e como o usuário poderá acessar o seu detalhamento após a desclassificação, não atende a transparência ativa que deve reger as informações governamentais, em consonância ao que dispõe o art. 24, § 2º, da Lei 12.527/2011, nem atende à determinação contida no item 9.1.2 do Acórdão 1154/2017-TCU-Plenário (relatoria Ministro Walton Alencar Rodrigues), com redação do Acórdão 538/2021-TCU-Plenário (relatoria do Ministro Augusto Nardes);

9.5. determinar à Secretaria de Administração da Presidência da República (SA/PR) e ao Gabinete da Vice-Presidência da República que:

9.5.1 no que tange aos gastos do CPGF relativos a materiais de higiene e limpeza, alimentação, hospedagem e locação de meios de transporte, publique, ao final de cada mês, o somatório das despesas classificadas a nível de “subelemento da despesa”, em tabela própria para isso;

9.5.2. quanto às despesas não classificadas, publicar imediatamente e detalhadamente as informações dos gastos, tal como determinado no item 9.1.2 do Acórdão 1154/2017-TCU-Plenário, com redação alterada pelo Acórdão 538/2021-TCU-Plenário;

9.6. determinar ao Gabinete da Vice-Presidência da República que:

9.6.1. publique, ao final dos mandatos presidenciais, em atendimento ao que dispõe o art. 24, §2º da Lei 12.527/2011, as despesas de caráter reservado da Vice-Presidência da República em sítio eletrônico, com detalhamento das principais despesas desses órgãos, mantendo a divulgação de tabela consolidada discriminando os gastos por natureza de despesa, com exceção daquelas que possam colocar em risco a segurança do Presidente e Vice-Presidente da República eleitos para novo mandato e respectivos cônjuges e filhos(as), devendo, neste caso, promover a devida justificativa no processo;

9.6.2. publique, tão logo sejam realizadas, as informações relativas das despesas com cartões de pagamento do Governo Federal para aquisição de gêneros alimentícios e materiais de higiene e limpeza, fornecimento de alimentação e hospedagem e locação de meios de transporte, que não impactem em risco à segurança do Vice-Presidente da República e respectivos cônjuges e filhos(as), em atendimento ao que dispõe o art. 24, § 2º, do da Lei 12.527/2011;

9.6.3. publique, ao final dos mandatos presidenciais, a relação de todos os presentes recebidos pelo Vice-Presidente e incorporados ao patrimônio da Nação;

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Atendendo a pedido feito pela Fiquem Sabendo, a Secretaria Geral da Presidência da República publicou, dentre o rol de informações classificadas e desclassificadas, os gastos com cartões corporativos dos governos anteriores, com dados disponíveis em formato CSV para os danos de 2003 a 2022.

Os veículos de imprensa (ex.: G1, Isto É, UOL, Correio Braziliense, O Globo, Estadão, Estado de Minas, Folha) já têm realizado uma série de matérias a partir das análises desses dados.

Foi aberta hoje uma consulta pública sobre um decreto que regulamenta a utilização do Cartão de Pagamento do Governo Federal. As contribuições podem ser feitas até o dia 25/1/2023 pelo link:

Detalhe: uma semana para participação.

O Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas,uma coalizão de entidades da sociedade civil, organizações de mídia e pesquisadores dedicada a fazer o controle social da implementação da Lei de Acesso à Informação, encaminhou à Casa Civil da Presidência da República uma carta reivindicando melhorias na gestão e na classificação das informações de despesas com o cartão corporativo. Foi lançada a campanha #EuQueroANota para cobrar por essas melhorias.

Mais informações no site da Open Knowledge Brasil, que é uma das entidades que assina a carta:

https://ok.org.br/noticia/forum-mobiliza-governo-e-sociedade-por-mais-transparencia-nos-gastos-do-cartao-corporativo/

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