Metadados legislativos e semântica

Interoperabilidade na União Europeia

Certamente que sim. É por isso que na União Europeia, há alguns anos, se formaram grupos de trabalho para criar os Core Vocabularies, que definem quais são os campos padronizados para diversas temáticas como órgãos públicos, empresas, pessoas, etc. Definiram, ainda, as fontes únicas para identificar chaves primárias de diversas coisas também como órgãos públicos, regiões administrativas, etc., que são os chamados Base Registries.

Com todos os diálogos feitos entre o Brasil e a União Europeia, o nome Base Registries chegou até a inspirar o nome do Cadastro Base do Cidadão, mas, à parte de toda a polêmica gerada pela implementação desse cadastro, que não seguiu o mesmo rigor que se vê nas discussões europeias sobre o tema, parou por aí a ideia de definir “cadastros base” que servissem como chave estrangeira para qualquer outro sistema. O máximo que foi feito é um catálogo de APIs de governo que podem ser usadas por outros entes governamentais – o que já é um avanço, considerando que nem mesmo isso existia antes.

Padrões de interoperabilidade no Brasil

Aqui no Brasil, temos os Sistemas Estruturadores, também chamados sistemas estruturantes, da administração pública federal. Eles deveriam ser as fontes primárias para identificar itens em temáticas como órgãos públicos, servidores públicos, orçamento público, licitações, etc. Digo deveriam pois, embora o uso dos códigos oficiais como chave estrangeira seja obrigatório, é comum ver sistemas na administração pública que não usam essas chaves e definem as suas próprias chaves para os mesmos conceitos, causando uma bagunça, dificultando a vida de quem vai fazer análise de dados e aumentando os custos de análise e implementação de políticas públicas oriundos da falta de interoperabilidade.

Do ponto de vista de padrões de dados para a interoperabilidade, existe no governo federal a e-PING, muito baseada no e-GIF do Reino Unido. Para a classificação de assuntos, há o Vocabulário Controlado de Governo Eletrônico, o VCGE, que antes de chamava Lista de Categorias de Governo – LCG, inspirado literalmente na Government Category List - GCL, também do Reino Unido, substituída em 2005 pela Integrated Public Service Vocabulary - IPSV. Ao contrário do IPSV, que procurou integrar termos de governos locais e ser um vocabulário abrangente, em 2013 o VCGE passou por uma reformulação radical e controversa, cortando quase todos os seus termos e se tornando quase como um “espelho” do COFOG, uma classificação de funções do orçamento público com apenas dois níveis e quantidade muito limitada de termos.

Tudo isso andou quase que abandonado no governo federal desde 2017, não entrando nos ciclos de planejamento estratégico, não recebendo investimento, sem ter uma unidade formal designada, sem equipe definida responsável pela temática e sem prioridade. A única pessoa que ainda levava a coisa “nas horas vagas”, heroicamente, era o Roberto Lyra, falecido recentemente, que chegou a fazer uma atualização da e-PING em 2018, com poucas mudanças. A Secretaria de Governo Digital nem mesmo soltou uma nota de pesar pelo falecimento do Lyra. Depois disso, a Portaria SGD/ME n.º 15.065, de 24 de dezembro de 2021, instituiu um grupo de trabalho para discutir o futuro dessas temáticas, para “realizar um diagnóstico e propor a atualização ou a extinção” desses padrões, mas depois disso não fiquei mais sabendo de nenhuma informação, nem mesmo se esse grupo se reuniu alguma vez ou não.

Do processo de construção de padrões

Os processos de construção são os mais diversos possíveis, passando por reuniões presenciais, webinars, grupos e listas de discussão, trocas de e-mails e mais recentemente até mesmo usando controle de versões com o Git.

Para não ficar muito extenso, limito-me a ressaltar alguns exemplos interessantes, que contaram com um pouco mais de investimento e cuidado metodológico:

  1. A plataforma Colab do Interlegis, que integra listas de e-mails e repositórios de controle de versão para soluções em software livre para as casas legislativas locais. Infelizmente, mais recentemente anda meio abandonada e sofre com excesso de spam que não tem sido moderado.
  2. O Portal do Software Público, reformulado em 2015 tendo o Colab Interlegis como inspiração, que também foi abandonado a partir de 2017.
  3. O processo de participação social da INDA, aberto à participação de qualquer pessoa interessada, que contou com reuniões presenciais e virtuais, planejamento coletivo, issue tracking, controle de versão de código, etc., para construir o Portal Brasileiro de Dados Abertos, entre os anos de 2011 e 2012.
  4. A e-PING, que no passado era desenvolvida em 5 grupos temáticos, com participação voluntária de servidores públicos, em reuniões presenciais na sua maior parte, mas também com trocas de e-mails. Também parou de se reunir por meados de 2015. Considerando o VCGE como parte do grupo e-PING, percebo uma falta de participação por desinteresse das pessoas depois da reformulação “2.0” de 2013, que por diversos motivos, tornou esse vocabulário muito pobre e pouco útil para classificação.
  5. A plataforma de colaboração JoinUp da Comissão Europeia, que recebeu investimento do programa ISA² de interoperabilidade. Conta com diversas ferramentas de gestão de comunidade. Alguns dos grupos fazem reuniões periodicamente para discutir a evolução dos padrões até hoje. Entre essas comunidades está a Semantic Interoperability Community - SEMIC, que inclusive tem usado o Git e o Github para manter os padrões de interoperabilidade semântica em constante evolução.

Percebe-se que para existir uma comunidade ativa mantendo padrões de alta qualidade é necessário haver investimento e priorização política. Por exemplo, somente considerando o período entre 2016 e 2020, a Comissão Europeia investiu 131 milhões de euros no programa ISA² de interoperabilidade para a administração pública.

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