Governo federal está proibido de utilizar CC-NC?

Provocado pela consulta pública sobre a reestruturação da INDA, deixo uma reflexão para possível inclusão como objetivo para a INDA, no Art. 1º da minuta de portaria:

  • fazer cumprir a segurança jurídica e os aspectos legais do licenciamento de dados abertos governamentais brasileiros.

A ausência de tal objetivo comprometeria outros objetivos presentes na minuta, como por exemplo o reúso e agregação de valor (Art. 1º, inciso X), incluindo a exploração comercial dos dados tutelados pela INDA.

Felizmente o Decreto 9.903/2019, que altera o Decreto 8.777/2016, declara que bases de dados sob direito autoral patrimonial da União são de livre utilização, em quaisquer modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.

Entretanto, um levantamento de 2013 (link abaixo) apontava inúmeras instâncias de licenciamento no governo federal que vedavam explicitamente a reutilização com fins comerciais de bases de dados governamentais brasileiras, restrições as quais persistem em sua maioria.

Portanto, parece que proibições anteriormente vigentes não encontram mais amparo legal. Deveria a INDA buscar ativamente a revogação de tais proibições, instruindo e alertando os órgãos federais infratores? Afinal, as permissões de reutilização previstas no Decreto 9.903/2019 não são facultativas, mas sim impositivas. Sem a revogação de licenciamentos contrários, persiste insegurança jurídica quanto à exploração comercial de dados abertos governamentais brasileiros.

Em termos mais práticos: estão entes do governo federal impedidos de adotar licenças com restrições além de mera atribuição (CC-BY) – está proibido exigir uso não comercial (CC-NC)? Vejam um caso trivial:

http://inde.geoinfo.cnpm.embrapa.br/geonetwork_inde/srv/por/catalog.search#/metadata/532713b8-8a52-11ea-9590-4234e8a627f0

Att,
-FGN.

REFERÊNCIAS

Nievinski, F.G. (2013) “Dados “meio” abertos – sobre o uso e reúso dos dados governamentais brasileiros”, Open Knowledge Brasil,
28 de agosto de 2013, disponível em: https://www.ok.org.br/noticia/dados-meio-abertos-sobre-o-uso-e-reuso-dos-dados-governamentais-brasileiros/

Batista, A.H. et al. (2015), Nota Técnica SEI nº 2068/2015-MP, “Assunto: Análise da proteção jurídica de base de dados no contexto da disponibilização de dados abertos pela Administração Pública.”
http://wiki.dados.gov.br/GetFile.aspx?File=%2FGT1-Gestão%20e%20Normativo%2FLicença%2Fnota-tecnica-2068.pdf

Parahyba, C.D. (2016), Parecer n. 00124/CD/CGJAN/CONJUR-MP/CGU/AGU, “Assunto: Consulta. Possibilidade de livre utilização de dados públicos de que dispõe o Poder Executivo federal.” Disponível em: http://www.consultaesic.cgu.gov.br/busca/dados/Lists/Pedido/Attachments/494321/RESPOSTA_PEDIDO_Anexo_03950001910201634.pdf

Aragão, E.J.G. (2016), EMI nº 00079/2016 MJ CGU MP, disponível em:
http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/files/2016/11/Decreto8777de2016-Origem.pdf

“Produto GT1: Levantamento Juridico sobre Licenciamento para Dados Abertos”, Disponível em: http://wiki.dados.gov.br/Produto-GT1-Levantamento-Juridico-Licenciamento-Dados-Abertos.ashx

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Olha, Felipe, eu entendo que está sim proibido usar licenças de uso que não permitam o uso comercial, uma vez que todas as formas de uso já estão autorizadas pelo decreto. Uma licença que contrarie isso estaria necessariamente contrariando a disposição do decreto.

Como você bem colocou, o Decreto 9.903/2019 alterou o Decreto 8.777/2016, estabelecendo que:

Art. 1º O Decreto nº 8.777, de 11 de maio de 2016, passa a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 4º Os dados disponibilizados pelo Poder Executivo federal e as informações de transparência ativa são de livre utilização pelos Poderes Públicos e pela sociedade.

§ 1º Fica autorizada a utilização gratuita das bases de dados e das informações disponibilizadas nos termos do disposto no inciso XIII do caput do art. 7º da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, e cujo detentor de direitos autorais patrimoniais seja a União, nos termos do disposto no art. 29 da referida Lei.

§ 2º Fica o Poder Executivo federal obrigado a indicar o detentor de direitos autorais pertencentes a terceiros e as condições de utilização por ele autorizadas na divulgação de bases de dados protegidas por direitos autorais de que trata o inciso XIII do caput do art. 7º da Lei nº 9.610, de 1998.” (NR)

Trabalhei bastante para colocar no § 1º essa autorização explícita, como resultado do levantamento jurídico da INDA que você citou. Pareceres anteriores da consultoria jurídica do então Ministério do Planejamento, provocados por nós, enquanto estávamos responsáveis pela gestão da política de dados abertos, já haviam indicado a necessidade de esclarecer a situação jurídica dos direitos autorais de bases de dados e de uniformizar o licenciamento. Chegamos à conclusão de que dar explicitamente a autorização de direitos autorais por decreto seria a forma mais prática de atingir esses objetivos.

Como já havia a decisão política de fazer um decreto para transferir à CGU a responsabilidade da gestão da política de dados abertos, aproveitei a oportunidade para incluir esse dispositivo no decreto. Foi um ato de despedida da nossa gestão em relação à política de dados abertos, para obter um último impacto positivo no momento em que deixava de atuar diretamente com a gestão do tema.

A redação original que havíamos proposto era ainda mais explícita em relação as permissões, afirmando claramente que todas as formas de uso previstas no art. 87 da Lei 9.610/1998 estavam autorizadas. Mas entendo que sim, mesmo a redação final tendo sido mais tímida que a que fora proposta, ela ainda permite essa mesma interpretação.

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Para complementar, compartilho o diagrama abaixo, que criei em 2015 para ilustrar a Nota Técnica SEI n.º 2068/2015-MP, que foi uma precursora do processo que eventualmente levou à alteração do Art. 4º, § 1º, do Decreto 8.777/2016, promovida pelo Decreto 9.903/2019.

A alteração do decreto promovida no ano passado veio justamente suprir essa lacuna, esclarecer esse ponto de interrogação no diagrama, que havia na época.

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Uma dúvida (meio cretina :grimacing:) é se o Decreto 9.903/2019 teria vigência retroativa ou se valeria apenas para novas bases de dados…

Eu entendo que, se o dado está sendo disponibilizado hoje, ele tem que estar de acordo com a vigência atual do Decreto 8.777/2016, modificado pelo Decreto 9.903/2019.

Essa dúvida sobre retroatividade estaria limitado a dados que tenham sido fornecidos no passado e que, por algum motivo, deixaram de ser disponibilizados antes da vigência do 9.903. Nesses casos, se existirem, pode-se admitir o questionamento.

Porém, a princípio nenhum dado deveria deixar de ser fornecido, a não ser que contenha erros ou divulgação indevida de dados pessoais, por exemplo. Mas, mesmo nesses casos, deveria ser substituído por um conjunto de dados corrigido.