Dados sobre a propriedade efetiva e beneficiários finais de empresas

Como saber quem é realmente o dono de uma pessoa jurídica? Considerando que, muitas vezes, uma empresa pode ser dona de outra, que é dona de outra, e assim por diante, como é possível navegar esse labirinto e chegar nas pessoas que são os beneficiários finais?

É para isso que existe o conceito de “proprietário beneficiário final”, ou “propriedade efetiva” (em inglês, “beneficial ownership”), que segue esse emaranhado de propriedades até chegar nas pessoas que são de fato as donas das empresas.

Existem diversos projetos que visam ajudar investigadores, pesquisadores e jornalistas a trabalhar as fontes oficiais de dados até chegar nas pessoas, encontrar relacionamentos que não são evidentes e até mesmo evidenciar casos de corrupção. Conheça aqui alguns deles.

Obs.: para dados sobre empresas brasileiras, veja o tópico sobre os dados abertos do CNPJ, disponibilizados pela Receita Federal, pois é a fonte mais atualizada. Naquele tópico também estão disponíveis diversas formas de acesso propiciadas por terceiros que facilitam a obtenção dos dados.

Agregadores de dados

Global Legal Entity Identifier Foundation

LEI é o acrônimo, em inglês, para Legal Entity Identifier, ou Identificador Legal de Entidade. Algo como o CNPJ no Brasil, mas pensado para ser um identificador internacional. O LEI é definido pela Global Legal Entity Identifier Foundation.

A fundação disponibiliza uma pesquisa por empresa que retorna informações como o identificador LEI, data de registro do número LEI, identificador local (como o CNPJ no Brasil), endereço registrado, filiais, etc.

https://search.gleif.org/#/search/

Segue o exemplo de consulta com informações sobre a Petrobrás.

Open Corporates

A empresa Open Corporates há anos consolida, a partir de diversas fontes oficiais internacionais, informações a respeito de empresas como identificadores únicos, status de ativa ou inativa, data de fundação, endereço registrado e área de atuação, quadro societário, filiais, marcas registradas, entre outros.

O banco de dados pode ser consultado pelo site de forma livre e gratuita. Para acesso à API, existem planos pagos, a partir de £80 por mês (eles estão baseados no Reino Unido). Entretanto, acesso gratuito é oferecido para jornalistas, organizações sociais e acadêmicos que estejam realizando pesquisas que beneficiem o público.

company data held by OpenCorporates is made freely available to the general public via the OpenCorporates website without charge. We also provide access to our data products to journalists, NGOs and academics for public benefit research free of charge.

Para consultar, simplesmente acesse o site:

https://opencorporates.com/

Segue o exemplo de página com os dados da Petrobrás.

Open LEIs

O site Open LEIs também foi criado pela Open Corporates para ajudar a verificar as informações sobre empresas de forma aberta e também possibilita a pesquisa por nome da empresa ou por país. Mostra a o identificador LEI, a natureza jurídica, o endereço registrado, o identificador local (como o CNPJ no Brasil) e outras informações.

Open Ownership Register

O Open Ownership Register é uma base de dados agregada pela Open Ownership.

https://register.openownership.org/

Pode-se consultar por nome da empresa ou do beneficiário final. A informação de propriedade segue toda a cadeia de propriedade até encontrar as pessoas que são beneficiários finais. Estão disponíveis muitas das mesmas informações que estão no Open Corporates. Permite também baixar os dados em lote.

Sempre é citado o cadastro original que é a fonte dos dados.

Rankings e avaliações

Global Data Barometer

O Global Data Barometer é um ranking de avaliação, organizado pela Data for Development e pela Iniciativa Latinoamericana de Dados Abertos – ILDA, com apoio do Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento Internacional – IDRC do Canadá e parceiros locais, sobre as iniciativas e políticas de dados abertos em diversos países, tendo sido realizado pela última vez em 2022.

Um dos pilares da metodologia é a disponibilidade de dados. Um dos módulos de avaliação nesse pilar é quanto à transparência nas informações sobre empresas, incluindo aquelas sobre os beneficiários finais. A comparação entre os diversos países nesse quesito pode ser vista no link abaixo:

O Brasil ficou com 53 pontos nesse módulo, sendo o líder nesse quesito no contexto da América Latina.

Global Open Data Index

O Global Open Data Index foi um ranking de avaliação, organizado pela Open Knowledge Foundation, com apoio de diversas organizações internacionais e parceiros da rede Open Knowledge, sobre a disponibilidade de dados abertos em diversos países, tendo sido realizado pela última vez em 2017.

Um dos critérios de avaliação era quanto à disponibilidade de dados abertos sobre o cadastro de empresas. O resultado daquele ano pode ser comparado, no link abaixo, entre os países avaliados.

https://index.okfn.org/dataset/companies.html

Naquele ano, naquela avaliação, o Brasil recebeu 35% da pontuação possível neste quesito.

Obs.: Este instrumento de avaliação também chegou a ser chamar no passado simplesmente como Open Data Index.

Open Company Data Index

O Open Company Data Index, feito pela Open Corporates com apoio do Banco Mundial, avalia as iniciativas de dados abertos de diversos países ao redor do mundo quanto à sua transparência em relação aos dados sobre as empresas.

O Brasil está com 70 pontos, dentre um máximo possível de 100, mas a avaliação está bastante defasada, tendo sido realizada em 2014. Em especial, depois que a avaliação foi realizada a Receita Federal já ampliou, em pelo menos duas ocasiões, os dados que são disponibilizados.

Open Data Barometer

O Open Data Barometer foi um ranking de avaliação, organizado pela World Wide Web Foundation, com apoio da Omidyar Network e parceiros locais, sobre as iniciativas e políticas de dados abertos em diversos países, tendo sido realizado pela última vez em 2017 (a “Leaders Edition”, com um número reduzido de países avaliados).

Um dos eixos de avaliação era quanto à disponibilidade de dados abertos sobre diversas temáticas. Entre elas, o cadastro de empresas. O relatório daquele ano e gráficos comparativos podem ser consultados no link abaixo:

O Brasil ficou com apenas 5 de 100 pontos possíveis em relação aos dados sobre empresas.

Destaca-se também o estudo de caso feito sobre a fundação da Open Ownership e diversos outros compromissos internacionais realizados naquele período quanto à transparência dos beneficiários finais de empresas:

Building open data standards: Open Ownership was established to create a global register of beneficial ownership data, providing information about who owns companies. The register, now in beta, aims to drive corporate transparency and tackle fraud, money laundering and tax evasion. The initiative followed commitments from 40 governments to establish public registers of beneficial ownership at the UK’s Anti-Corruption Summit in May 2016. Sector-specific projects, such as the Extractives Industry Transparency Initiative, and development bodies, such as the World Bank, are also embracing transparency frameworks that include public beneficial ownership requirements.

Ferramentas

Aleph

O Aleph é uma ferramenta útil para rastrear fluxos de dinheiro, relacionamentos entre pessoas físicas e jurídicas, fazer cruzamentos e referenciar de dados. Para mais informações, veja o outro tópico que há neste fórum, específico sobre essa ferramenta:

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O Stephen Abbott Pugh, chefe de tecnologia da Open Ownership, realizou uma palestra na conferência Coda 2022 sobre a transparência na propriedade de empresas. A palestra foi gravada e pode ser assistida gratuitamente no site da Escola de Dados:

Caso prefira um resumo em texto, também está disponível no site da Open Knowledge Brasil.

A Open Ownership promove a transparência dos beneficiários finais de empresas, atuando junto a governos de diversos países, visando a conscientização quanto à necessidade da disponibilidade desses dados no combate à corrupção. Entre outros, disponibiliza um padrão de dados para ser utilizado nos dados abertos sobre os beneficiários finais de empresas e também uma base de dados agregada que pode ser consultada por qualquer pessoa.

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Estou tentando obter acesso aos dados de beneficiários finais de empresas faz algum tempo. No início, a resposta era que os dados não eram fornecidos porque ainda estavam em tratamento.

http://www.consultaesic.cgu.gov.br/busca/_layouts/15/DetalhePedido/DetalhePedido.aspx?nup=03005207957202085

http://www.consultaesic.cgu.gov.br/busca/_layouts/15/DetalhePedido/DetalhePedido.aspx?nup=03005062714202192

http://www.consultaesic.cgu.gov.br/busca/_layouts/15/DetalhePedido/DetalhePedido.aspx?nup=03006009166201948

Porém recentemente a negativa passou a ser fundamentada no sigilo fiscal.

http://www.consultaesic.cgu.gov.br/busca/_layouts/15/DetalhePedido/DetalhePedido.aspx?nup=03005283769202215

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Interessante, @Bruno, não sabia dessa mudança que houve nas normas da Receita Federal quanto à coleta de informações sobre o beneficiário final. Muito importante essa sua iniciativa de buscar as informações sobre o beneficiário final usando a Lei de Acesso à Informação. Parabéns! :clap:

Para entender melhor, sei que QSA é o Quadro de Sócios Administradores, mas o que seria o FCPJ?

Vi que o link que você usou como referência nos pedidos de acesso à informação não funciona mais. Provavelmente se perdeu durante a migração para o gov.br e não colocaram um apontamento ou redirecionamento. Mas encontrei o que parece ser o novo link para o mesmo texto:

Sobre os compromissos que o Brasil adotou para dar transparência aos beneficiários finais, eu acrescentaria a Ação 02/2022 da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro – ENCCLA:

Ação 02/2022: Diagnosticar os desafios e propor medidas para o aperfeiçoamento dos requisitos de identificação do beneficiário final de acordo com a Recomendação 24 do GAFI – Transparência e Propriedade da Pessoa Jurídica.

Proponente: Grupo de Trabalho da ANR – GTANR

Coordenação: ABIN, COAF

Colaboradores: ABIN, AGU, AJUFE, ANPR, BB, BCB, BNDES, CADE, CAIXA, CGM/SP, CGU, CNJ, COAF, CSJT, CVM, DRCI, DREI/SGD, FEBRABAN, MPF, MPM, MPMG, MPMS, MPPR, MPRJ, MPRS, MPSP, PF, PGFN, SECONT/ES, SUSEP, TST.

Convidado: FENAJU

Resultados:

  1. Documento “Mapeamento e análise de vulnerabilidades dos tipos societários em relação à identificação do beneficiário final – aplicação da Recomendação nº 24 do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), contendo: i) a descrição dos processos de constituição, mecanismos de controle e transparência e vulnerabilidades; ii) análise dos dados cedidos pelo grupo de trabalho; iii) matriz de risco e de transparência do beneficiário final por tipo de pessoa jurídica; iv) identificação das vulnerabilidades transversais; e v) identificação de possíveis aprimoramentos.

(grifo meu)

Fonte: Ações de 2024 — Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro

Além disso, você chegou a tentar entrar em contato com a Open Ownership? Pelo que está no site deles, eles inclusive trabalham junto a governos em diversos países no advocacy pela transparência do beneficiário final.

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Tem essa notícia de segunda-feira:

Destaques:

Brasília, 7/11/2022 – A Secretaria Nacional de Justiça (Senajus), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), conduziu, nesta segunda-feira (7), em Brasília, a abertura da 20ª Reunião Plenária da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla 2023). Na ocasião, foram apresentados resultados das 11 ações de 2022, frutos de trabalho articulado entre representantes de órgãos públicos e da sociedade civil.

(…)

Na abertura, a plenária aprovou os resultados das 11 Ações elaboradas durante o ano de 2022, tais como: compartilhamento de dados entre atores estatais; identificação de beneficiário final; supervisão de PLD/FT no setor de mineração e comércio de metais e pedras preciosas; transporte transfronteiriço de valores; risco de financiamento do terrorismo por meio de abuso de Organizações da Sociedade Civil; estatísticas nacionais de PLD/FT; aperfeiçoamentos do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP); pirâmides financeiras e esquemas “Ponzi”; estruturas societárias e arranjos “offshore” – paraísos fiscais; correlação dos crimes ambientais com a corrupção e a lavagem de dinheiro e medidas para combater a corrupção privada.

As ações da ENCCLA para o ano que vem seriam apresentadas ontem, 10 de novembro:

Na ocasião, houve ainda a apresentação da Força Tarefa Cidadã, iniciativa do TCU em parceria com o Observatório Social do Brasil e Rede de Controle da Gestão Pública. O grupo trabalha, ao longo da semana, para definir as novas ações que serão executadas no ano de 2023 e anunciadas em 10 de novembro, durante o encerramento dos trabalhos da 20ª Reunião Plenária.

Procurei, mas não encontrei a lista de ações de 2023, nem nenhum relato do que ocorreu ontem. Talvez ao longo do dia de hoje apareçam mais informações.

Outra coisa que pode valer a pena é procurar o Observatório Social do Brasil, que participa dessa Força Tarefa Cidadã, para ajudar na cobrança à Receita Federal pela divulgação dos dados de beneficiários finais.

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Excelente artigo. Muito obrigado.

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Oi, @herrmann !

Não me lembrava que a transparência dos beneficiários finais estava como ação da ENCCLA. É um argumento interessante. Infelizmente o resultado do GT não está disponível ao público e não achei no youtube do MJSP menção a ele.

Péssima notícia para a transparência e o combate à lavagem de dinheiro na União Europeia: o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu invalidar a provisão que havia na diretiva da UE anti lavagem de dinheiro que tornava pública a informação dos beneficiários finais das empresas.

Com essa decisão, a Europa tende a se tornar ainda mais um paraíso fiscal para recursos financeiros de origem ilícita.

Seguem as posições da Access Info Europe e da Open Ownership sobre essa decisão:

Company ownership transparency is not only a tool for rooting out corruption. It is also fundamental for building confidence in our business environments and critical for establishing public trust and accountability in the rules that govern us – both essential ingredients for the functioning of democracy. Open registers also contribute to combatting tax evasion efforts and improving integrity in public procurement. They are important also in tackling natural resource crimes and improving governance in extractive industries. It is precisely on these bases that civil society has successfully campaigned for public registers in Nigeria, Ghana, Zambia, Liberia and Kenya, among others.

We therefore urge the European Commission to make a clear choice of openness over secrecy and quickly set out how they intend to ensure beneficial ownership registers across the bloc are accessible to the public again as soon as possible.

E no contexto das ações da ENCCLA aqui no Brasil, é importante atentar para:

  • Governments that are currently implementing public beneficial ownership registers should draw lessons from this judgement, where they are relevant to their context, for example applying the principle of data minimisation in combination with layered access to balance privacy with public access, and the benefit of legislating for public access using a broadly defined basis of accountability and public interest. Governments can continue to draw on Open Ownership’s resources on privacy and access.
  • Beneficial ownership transparency practitioners should continue to innovate and develop new ways to ensure public access is proportionate. Beneficial ownership transparency is still a nascent area of policy reform. As a growing number of countries are implementing it, they are developing new solutions. For example, access regimes could add additional tiers to their layered access approach for specific user groups, or explore the use of unique identifiers to minimise the personal data that is made available.